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Bacharelando em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, estagiário na Assessoria de Comunicação de uma instituição em Campina Grande-PB e compositor/vocalista/baixista de uma banda de rock 'n' roll da cidade.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Nietzsche, o roubo e os macacos

Era uma dessas tardes chatas nas quais a consciência de todas as obrigações faz com que se sinta profundamente incomodado por não se querer fazer absolutamente nada além de dormir (o tomar um vinho, quem sabe). Talvez o efeito dos analgésicos ainda resquícios da noite anterior contribuíssem para o tédio. A sensação que a rotina traz deve ser algo parecido com o que um condenado à morte tem impregnado em sua cabeça, uma espera impaciente por qualquer colapso, pelo fim. Algo doentio.

Pois bem, lá estava ele, aquele ser inconformado com tudo o que pudesse lhe remeter à vida real – mais especificamente àquela terça-feira quente e chata que nada tinha de surpreendente. Era eu, ali, no lado esquerdo de um ônibus sujo e barulhento, que cuspia uma fumaça pesada e preta na cara de quem ousasse lhe cruzar o caminho. O mundo andava pra trás por fora da janela.

Algo normalmente difícil de se conseguir hoje em dia, com tantas mulheres nuas ou quase peladas em posições extravagantes, entre outras coisas, nos outdoors plantados nas calçadas e terrenos pelo trajeto, eu me encontrava totalmente concentrado. Claro que com os fones no ouvido, me desligo muito mais facilmente do tempo e do espaço. O livro ainda estava no início e o cuidado com o qual posicionava-lhe na mão era por tê-lo comprado há pouco (inclusive com um dinheiro emprestado que não sabia ainda como iria pagar) e também porque aquele seria um presente de aniversário que comprara adiantado; deveria preservá-lo, pois, das minhas mãos grosseiras.

Nietzsche então afirmava sob personagem de nome Zaratrusta que Deus havia morrido e como que rindo de maneira ácida e sarcástica, jogava-me a verdade na cara: “Noutro tempo fostes macaco, e hoje o homem é ainda mais macaco do que todos os macacos”. O blues soava triste e o proclamador de tal melodia expressava em versos sua dor. Tudo muito normal, pois, até o momento em que de repente um moleque destes que vagam pelas ruas, sujos e sozinhos (e se você o olhar nos olhos, não encontra brilho algum), se pendurou em uma das janelas do ônibus e tomou o boné de um cidadão que se encontrava sentado do lado oposto ao qual eu me encontrava.

Neste momento eu perdi toda a concentração na qual me via mergulhado e passei a observar o desenrolar da situação. A condução tinha parado no ponto e em frações de segundos, a ação ocorreu. Ainda ouvi a mulher que acompanhava a vítima, um cara de óculos escuros, preocupado agora com o cabelo assanhado exposto à vista de todos, dizer-lhe para “deixar pra lá”. Até aí, a tarde não me trazia nada de muito novo. Um roubo, reações de espanto (e relapso) entre os poucos passageiros do transporte, sendo o fato praticamente ignorado pelo motorista que em minuto algum desviou a atenção do seu trajeto e também pelo cobrador do ônibus, prosseguindo a anotar os números da catraca. Nada parecia ter perturbado a ordem das coisas...

E foi isso o que me assustou! Dava pra perceber que o rapaz estava revoltado e até um pouco atordoado com aquilo – apesar de ter atendido o pedido de sua acompanhante e ficado no seu lugar, permitindo uma fuga tranqüila do “trombadinha”. Mas fora isso e os olhares cruzados entre os demais passageiros, que também foram pegos de surpresa com a situação, nada saiu do lugar que estava. Sequer uma exclamação indignada de qualquer das testemunhas! Nada. Tudo permaneceu em silêncio, e o caminho se passando.

O verso do blues agora dizia “i will survive” em um tom ainda triste, mas um tanto otimista. O livro foi fechado, pois naquele instante minha mente explodia em pensamentos. Pensava na reportagem que vi na TV e mostrava ladrões roubando à luz do dia sem qualquer tipo de repressão; pensava no quanto vai ser difícil pagar as contas desse mês, com o atraso do meu salário anão; na felicidade e orgulho do meu colega evangélico que entrou recentemente para a polícia militar e veio me contar eufórico que já “meteu o pau num monte de gente”; no que eu faria se eu fosse a vítima - impossível neste caso, já que um boné não caberia na minha cabeça e até hoje ninguém tentou roubar meu cabelo, apesar de eu já ter ouvido falar em incidente deste tipo. Enfim, observei as expressões dos que estavam ao meu redor naquele momento e a reação (digo, não-reação) de todos, me deixou perplexo, mas também nada que fosse extremamente novo pra mim – e pelo visto, para os que me acompanhavam naquele dia.

Não é só uma indignação, é um tipo de... como se fosse uma perda de esperança total em tudo. Sinto a cada dia como se não houvesse outro caminho, como se o verso do blues fosse uma utopia. O caos vai tomando tudo e pessoas não mais se impressionam com a morte ou violência, ou injustiças, ao mesmo tempo estão sempre tão preocupadas com o seu bem-estar e conforto. Egoísmo na maior parte das vezes.

Talvez o boné tenha sido trocado por algumas pedras de crack ou cola e feito a alegria momentânea do moleque, quem sabe... ou talvez meu colega recém PM pode encontrá-lo qualquer hora dessas e dar-lhe umas belas cacetadas. Pode ser que o incidente do ônibus tenha sido assunto na hora do jantar na casa de alguma das pessoas que presenciou o acontecido. Amanhã o moleque pode matar um conhecido meu ou um primo seu. Mas e daí? Talvez esse sentimento de impotência (não sexual, moral) seja uma causa da desilusão que abate não só a mim agora. É um câncer, destrói as forças. Não consigo ver o mundo lindo e colorido como tanta gente por aí.

E Nietzsche não me deixa em paz. Somos mesmo uns macacos. Acho que B.B. King concorda com isso.

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